Conheça o flag football, modalidade estreante das Olimpíadas de 2028

O esporte é derivado do futebol americano e tem ganhado popularidade pelo Brasil

Mariana Marsiaj
8 min readJan 11, 2024
Foto: Vinicius Tominaga

Paris recebe os Jogos Olímpicos em julho deste ano, porém Laura Doering já sonha com as Olimpíadas de 2028, em Los Angeles. A educadora física é praticante de flag football, modalidade que fará sua estreia nos jogos dos Estados Unidos.

“O plano para 2024 é focar ainda mais para conseguir uma vaga na seleção e aí manter o nível até as Olimpíadas. Se eu entrar é pra não sair”, brinca Laura.

A inclusão do flag no programa olímpico de Los Angeles 2028 foi uma surpresa, uma vez que trata-se de um esporte quase exclusivamente amador. A International Federation of American Football (IFAF) já tenta incluir a modalidade na competição há alguns anos, mas foi só quando a NFL (liga profissional de futebol americano dos EUA) começou a se envolver nas discussões que a proposta foi aceita pelo Comitê Olímpico Internacional (COI).

Ter Los Angeles como sede também foi um fator decisivo, uma vez que as sedes costumam ter um poder de influência significativo nestas discussões. O exemplo mais recente é a inclusão do breakdancing, praticado em alta competitividade na França, em Paris 2024.

Não existe nenhuma garantia que o flag permaneça no programa olímpico, mas a modalidade pode conquistar os bons olhos do COI se tiver boa repercussão entre a audiência. O bom desempenho de potências com influência no COI, como Estados Unidos, Rússia, China e Grã-Bretanha, também pode favorecer a modalidade.

Apesar do futuro incerto, a tendência é de que o crescimento do flag football seja impulsionado em escala global pelos próximos quatro anos.

Afinal, o que é flag football?

O flag surgiu nos Estados Unidos como uma versão de impacto reduzido do futebol americano. Embora existam registros de práticas semelhantes desde o início do século XX, foi na década de 1940 que o esporte assumiu seus moldes atuais. A modalidade servia de atividade recreativa para soldados que passavam longos períodos confinados em bases militares.

O crescimento do futebol americano nas universidades e em ligas profissionais levou também ao crescimento do flag, que passou a ser usado para introduzir os conceitos mais elementares do jogo para crianças. Até hoje o flag se mantém quase exclusivamente como uma modalidade amadora, mesmo em seu país de origem.

“É uma pena que o flag ainda esteja restrito a uma bolha tão pequena”, comenta Laura. “Falando do ponto de vista da educação física, é um dos esportes mais completos, porque trabalha membros inferiores, superiores, agilidade e tática.”

Nos Jogos Olímpicos, a modalidade adotada é a 5x5, ou seja, com cinco jogadores de cada equipe em campo. Na sua posse de bola, o ataque pode avançar com a bola até a zona final do campo, chamada de endzone. Para interromper o avanço, a defesa adversária precisa remover uma das fitas — ou flags — presas no cinto do jogador que está com a bola. Quando um time pontua ou não consegue avançar até o meio do campo em quatro tentativas, cede a posse de bola para que os adversários tenham sua vez no ataque.

Defensores interrompem o avanço do ataque retirando a flag do jogador com a bola | Acervo pessoal: Laura Doering

No Brasil, a modalidade começou a se popularizar mais extensamente nos últimos 15 anos, aproveitando o crescimento do futebol americano no país. O esporte ganhou espaço principalmente entre as mulheres, enquanto os homens ainda davam preferência ao futebol americano tradicional.

“No começo os rapazes tinham um pouquinho de preconceito com o flag. A desculpa é que eles preferiam o full-pads, que é aquele com capacete, ombreira, de mais contato. Eles achavam que o flag era mais para meninas e para crianças”, explica Cristiane Kajiwara, presidente da Confederação Brasileira de Futebol Americano (CBFA).

Heitor Medeiros migrou para o flag em 2015, quatro anos depois de começar a jogar futebol americano. Hoje ele atua como técnico principal da seleção brasileira de flag masculino e do Sorriso Hornets, no Mato Grosso, e acompanhou de perto as mudanças do cenário brasileiro.

“No início, o pessoal das duas modalidades não se misturava. Agora tem muita gente do futebol americano migrando para o flag”, observa Heitor. “Além do investimento no equipamento ser alto, tem muita colisão, muito desgaste. No flag você tem apenas a bola e o cinto com as fitas, dá uns R$ 40 no máximo.”

Além do investimento necessário ser menor, o flag demanda menos pessoas e espaço para ser praticado, quando comparado ao futebol americano. De acordo com o técnico, embora seja mais popular, a logística exigida pelo futebol americano dificulta muito a disseminação do esporte, o que acaba favorecendo o crescimento do flag.

Atualmente, São Paulo é o principal polo do esporte, sendo o Rio de Janeiro a segunda potência. Porém, existem campeonatos e times de flag espalhados por todo o Brasil.

“Hoje você vê muita gente jogando no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Obviamente o número de praticantes no Sudeste é maior que em qualquer outra região, principalmente São Paulo, mas essa diferença vem diminuindo desde que o flag se tornou algo mais oficial”, conta Heitor.

Palavras mágicas: esporte olímpico

Desde que o flag foi anunciado como modalidade olímpica, Cristiane Kajiwara observou o maior crescimento do esporte no Brasil desde que assumiu a presidência da CBFA, em 2021. A expectativa da federação é aproveitar ao máximo este ciclo olímpico para fomentar o crescimento da modalidade, criando uma estrutura sólida para as próximas gerações de atletas.

“Tem clubes esportivos de tradição no esporte olímpico querendo abrir um polo de flag football, imprensa querendo dar mais visibilidade. A gente já deixa de ser aquele patinho feio para de repente conseguir esse espaço”, relata Cristiane.

A atenção da mídia é fundamental para atrair investimento de patrocinadores e do próprio Comitê Olímpico Brasileiro. Se atletas de modalidades olímpicas tradicionais já encontram dificuldade para se manter em alto nível e arrecadar fundos para competições, as coisas são ainda mais difíceis para esportes amadores e menos reconhecidos.

“A partir do momento em que um esporte se torna olímpico, o COI começa a fazer repasses à federação. Isso impacta diretamente os atletas, porque alguns gastos, como viagens, a federação consegue cobrir”, destaca Heitor.

A inclusão nas Olimpíadas também eleva a seriedade no esporte. O grande desafio de modalidades amadoras é conciliar a prática esportiva com a vida cotidiana. Na maior parte das vezes, o esporte acaba ficando em segundo plano, mas a perspectiva de participação nos Jogos Olímpicos pode fazer com que alguns atletas passem a ter o flag como prioridade.

“Eles vão jogar o mundial na Finlândia, chegam no Brasil e vão estar trabalhando no escritório no outro dia, é claro que eles não vão conseguir se dedicar 100%”, explica Heitor. “Um dos nossos jogadores mais importantes perdeu as finais nos Estados Unidos porque ele tinha uma prova do mestrado para fazer e não deixaram remarcar. Nosso grande desafio hoje é ter essa jornada dupla.”

O caminho para as Olimpíadas

Se na maioria dos esportes a modalidade masculina começou a se desenvolver antes da feminina, o flag seguiu o caminho inverso. A estrutura do flag feminino é bem mais antiga, com a seleção feminina disputando seu primeiro campeonato mundial em 2012, enquanto o masculino fez sua estreia em mundiais em 2021.

“São praticamente dez anos de diferença. Muito provavelmente a seleção feminina vai estar nas olimpíadas, mas a masculina ainda tem um longo caminho pela frente. A gente tem dois ou três anos, no máximo, para estar entre as melhores do mundo e poder se classificar” projeta Heitor.

A seleção feminina é quarta melhor do mundo pelo ranking da IFAF, e tem grandes chances de estar nas Olimpíadas se permanecer entre as primeiras colocadas. O time masculino está em 17° lugar no ranking, mas tem mostrado grande evolução desde que começou a disputar campeonatos em nível mundial.

“Todo mundo fala que o Brasil é ruim porque é muito grande. Eu acho o contrário, se é grande é porque tem mais talento para descobrir. Mas dá trabalho, a gente montou uma rede de treinadores para mapear talentos no país todo, em cada torneio tem alguém da seleção acompanhando. Hoje a gente tem pelo menos um jogador de cada região do país”, comemora o técnico.

Atualmente, existem campeonatos oficiais de flag em todas as regiões do Brasil | Acervo pessoal: Laura Doering

Todo esse trabalho tem dado resultados positivos. Em seu TCC, produzido em parceria com o colega Phelipe Souza, Laura Doering explorou as diferenças no processo de convocação das seleções masculina e feminina de flag. Enquanto a seleção feminina acaba se apoiando nas mesmas atletas que já tiveram algum tipo de destaque no grupo, a seleção masculina está em constante processo de renovação e recrutamento de jovens atletas.

“Para a seleção feminina chegar nas Olimpíadas com a força que a gente quer, algo tem que mudar no processo de convocação. Como tem menos rotação de atletas, faz algum tempo que as jogadoras são as mesmas. Sem tirar o mérito delas, mas muitas já estão mais velhas, e a seleção perde a oportunidade de se renovar e encontrar novos talentos”, defende Laura.

Com o novo status de reconhecimento e a verba do COI, a CBFA pretende expandir o alcance do flag no país, principalmente nas categorias de base. A entidade também conta com o apoio da NFL, que vê no Brasil um mercado em ascensão.

“A NFL já se ofereceu inclusive para mandar kits de material, com bola e flags, para que a gente consiga ampliar o número de praticantes, principalmente entre crianças. A gente sabe que na escola pública, muitas vezes, não existe material nem para as modalidades mais tradicionais, então a gente quer distribuir esses kits para escolas e projetos de base”, conta a presidente da federação. “Para 2028, é provável que muitos dos atletas que estão na seleção hoje não estejam mais jogando, então a gente precisa investir nas próximas gerações.”

A federação entende que o flag não permaneça no programa olímpico por muito tempo, mas pretende aproveitar ao máximo os próximos quatro anos para expandir e fortalecer o esporte no país. A expectativa é que, mesmo que o esporte seja retirado das Olimpíadas depois de LA 2028, os holofotes sejam o suficiente para impulsionar o esporte a um novo patamar.

“O skate é um exemplo de modalidade que não era reconhecida com seriedade até a entrada nas Olimpíadas e, de repente, virou uma febre. O sucesso da Rayssa Leal fez com que todo mundo quisesse acompanhar e torcer, é isso que a gente espera fazer com o flag também”, conclui Cristiane.

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Mariana Marsiaj

Estudante de Jornalismo da UFRGS, redatora de NFL no The Playoffs BR.